Joe Biden e o câncer metastático
Entenda o que realmente significa ter um câncer de próstata avançado, quais os impactos no dia a dia do paciente

Nas últimas semanas fiquei impactada com a notícia de que o Ex-presidente, americano, Joe Biden foi diagnosticado com câncer de próstata avançado. Não tanto com a notícia, mas com o tanto que a notícia mexeu diretamente com meus pacientes com câncer de próstata.
Surgiram rumores de que o Presidente Joe Biden já tinha essa doença e que na verdade esse seria o motivo para a perda de performance tão significativa nos últimos tempos. Será que essa perda cognitiva está relacionada ao câncer? Obviamente não sabemos, ele não é meu paciente, não temos como saber, mas o que vale a pena trazer à tona é sobre o real impacto do diagnóstico de um câncer de próstata avançado na vida de um paciente.
É importante chamar a atenção para alguns fatores, por exemplo, a primeira hipótese de que ele já tinha esse diagnóstico, de uma doença avançada, metastática e estava sob tratamento para câncer de próstata e, por conta disso, ele teve um comprometimento cognitivo e perdeu performance à ponto de ter que desistir da presidência dos Estados Unidos.
Vamos lá: é verdade que o início de um tratamento para câncer de próstata avançado exige um bloqueio hormonal e, associado a isso, vimos várias coisas acontecendo. De fato, pode ser que haja algum prejuízo cognitivo e funcional. Alguns pacientes comentam que podem ficar um pouco mais lentos para responder reuniões mais importantes ou até esquecer algumas palavras. Também podem ficar mais cansados no final da tarde, mas não justificaria um prejuízo cognitivo muito importante, uma confusão mental por exemplo. Essa perda exagerada de performance não estaria justificada exclusivamente pelo tratamento do câncer de próstata. Tenho no consultório muitos pacientes, alguns até mais velhos do que o presidente Biden, que iniciaram o tratamento e estão bem há muitos anos.
A segunda hipótese seria: será que ele retardou o diagnóstico ou não fez o diagnóstico no ano passado e por causa disso que ele estava tendo um sofrimento cognitivo e de performance? Isso também não é verdade porque o paciente, mesmo quando abre o diagnóstico de câncer e já é avançado, ele raramente vai ter um comprometimento físico importante e muito menos cognitivo. O comprometimento cognitivo seria uma evolução raríssima da doença, quando compromete o sistema nervoso central.
Possivelmente nenhuma dessas duas hipóteses seja verdade. Na maior parte dos casos os pacientes são diagnosticados sem sintomas e quando a doença é muito avançada o paciente pode até apresentar algum sintoma, mas normalmente não está relacionado nem à performance, nem à confusão mental. Então, qual é o real impacto do diagnóstico de um câncer de próstata avançado na vida de um paciente?
Primeiramente traz muito medo. Quando você pensa no diagnóstico de um câncer a primeira coisa que vai passar pela sua cabeça é a associação com o fim da vida. E isso nem sempre é verdade!
Pode acontecer, em alguns casos mais raros, especialmente quando você está falando de câncer de próstata, mas não é para a maioria dos pacientes. A maioria dos pacientes vai ter que lidar com um tratamento crônico, um tratamento por tempo indeterminado e isso sim, é verdade.
Tivemos mudanças no tratamento dessa doença nos últimos 10 anos, com aprovação de inúmeras medicações de classes diferentes.
Os pacientes vêm apresentando muitos benefícios em manutenção de qualidade de vida e controle dos sintomas, além de atraso da progressão da doença.
Com a evolução a gente consegue até dar intervalos de tratamento. Tratamentos mais avançados continuam surgindo, como radiotraçadores da medicina nuclear e terapia alvo que trata aqueles pacientes com foco em alterações moleculares próprias dos tumores.
Essas inovações trazem inúmeros benefícios sem perda de qualidade de vida. Nos últimos 10 anos tivemos a aprovação de 10 novos agentes no tratamento do câncer de próstata avançado, sendo quatro drogas orais responsáveis pelo bloqueio hormonal mais intensivo, duas quimioterapias, uma imunoterapia e um inibidor de uma enzima que corrige o DNA - este um tratamento que é direcionado para pacientes com mutações genéticas específicas, que a gente pode investigar.
Realmente não é um motivo para tanta preocupação. Certamente o câncer muda a vida das pessoas, porque elas passam a ter uma rotina diferente, de seguimento, exames e tratamento, mas com um bom acompanhamento, as informações são esclarecidas e o paciente é capaz de retomar sua vida aos poucos, com qualidade.